terça-feira, 3 de novembro de 2009

Como tudo começou? - Entrevista exclusiva com Luiz Ruppenthal – Parte 1



Máfia do Lixo – O senhor poderia dizer aos leitores do portal Máfia do Lixo como tudo começou?

Luiz Ruppenthal - A UTRESA nasceu de uma iniciativa sindical. O setor coureiro calçadista foi o primeiro segmento industrial do Rio Grande do Sul a ter uma exigência legal para o tratamento dos efluentes líquidos gerados no seu processo produtivo.


A transformação da pele em couro por meio do processo de curtimento através da utilização de agentes de curtimento vegetais, minerais ou sintéticos estabiliza a proteína da pele evitando sua putrefação. De acordo com as primeiras determinações oficiais do Departamento do Meio Ambiente (DMA) do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, órgão que antecedeu a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) na responsabilidade do meio ambiente gaúcho, os curtumes deveriam implantar estações de tratamento de efluentes líquidos.




Não havia, no entanto, orientação quanto à destinação dos resíduos sólidos gerados tanto nestas estações de tratamento de efluentes (ETEs) nem dos outros materiais residuais gerados no próprio processo produtivo. No Vale do Sinos no Rio Grande do Sul havia uma vocação natural para este setor industrial (coureiro–calçadista) tanto que o município de Novo Hamburgo (RS) era conhecido como a “Capital Nacional do Calçado” e a cidade de Estância Velha era chamada de “Capital Nacional dos Curtumes”, em decorrência da concentração de indústrias destes segmentos de mercados que haviam na região. No início da década de 1980, o Sindicato das Indústrias de Curtimento de Estância Velha reunia-se semanalmente visando encontrar uma solução para a questão ambiental. Na oportunidade cogitava-se a implantação de uma estação centralizada de tratamento de efluentes a exemplo do que havia sido feito, por exemplo, na Itália, onde também existiam cidades com alta concentração de empreendimentos do setor coureiro–calçadista.


Máfia do Lixo – A iniciativa tinha apoio de alguma autoridade?

Luiz Ruppenthal - Esta iniciativa teve o apoio do prefeito de Estância Velha, Frederico Leuck, que vislumbrava a oportunidade de além de se fazer um tratamento centralizado de efluentes das indústrias, incluir também o tratamento dos efluentes domésticos ou cloacais. Na visão do prefeito Frederico Leuck, somente esta integração permitiria uma solução definitiva para a questão do comprometimento do principal arroio do município. A estação centralizada de tratamento dos efluentes industriais integrada ao tratamento dos efluentes cloacais da comunidade, porém, não prosperou e, a opção foi a implantação dos tratamentos de efluentes individualizadas, cada empresa fazendo a sua unidade.

Máfia do Lixo – Qual foi o modelo proposto naquela época?

Luiz Ruppenthal - Utilizou-se o modelo proposto na planta piloto construída, na mesma época, na Escola de Curtimento (mais tarde Centro Tecnológico do Couro do SENAI). A planta piloto apresentava as diferentes possibilidades ou alternativas tecnológicas de tratamento de efluentes de curtumes conhecidas na época. Cabe ressaltar que normas do Órgão Ambiental gaúcho à época, não havia nenhuma exigência quanto ao destino dos lodos gerados nos tratamentos de efluentes. Restava, assim, a necessidade de se resolver a questão da destinação final dos resíduos sólidos.

Máfia do Lixo – E quanto aos resíduos sólidos das industriais, onde eram destinados?

Luiz Ruppenthal - Naquela época, as indústrias do curtimento enviavam seus resíduos para áreas próprias ou de terceiros, geralmente localizadas nas encostas de morros, justamente nas nascentes dos cursos d´água. Em Estância Velha, cuja extensão territorial é bastante reduzida em termos de área em relação as demais cidades gaúchas, havia mais de 50 locais onde estes resíduos eram dispostos de forma direta no solo.

Máfia do Lixo – Não se pensou em procurar uma área adequada para onde poderiam ser destinados os resíduos sólidos industriais?

Luiz Ruppenthal – Sim, se procurou por um local mais adequado, em colaboração com o Município de Estância Velha. Conjuntamente definimos uma área no extremo sul desse município. A área apontada pela busca já servia de local de destinação de resíduos industriais, havia décadas, para diversos empreendimentos do setor de curtimento. A área escolhida, após avaliação do geólogo Pedro Schnack, primeiro responsável técnico pelas obras do empreendimento, foi adquirida pelo Sindicato das Indústrias de Curtimento que criou uma empresa denominada “ UTRESA - Usina de Tratamento de Resíduos Ltda” com o fim específico de, a partir daquele momento, dar destinação final adequada aos resíduos sólidos.

Máfia do Lixo – Quem era o proprietário da área que foi adquirida pela UTRESA?

Luiz Ruppenthal – O proprietário dessa área em Estância Velha, onde está instalada a UTRESA, era o senhor Valter Moutinho.

Máfia do Lixo – Nessa área além da destinação de resíduos industriais serviria para receber o “lixo domiciliar” de Estância Velha?

Luiz Ruppenthal – Na parte central dessa área adquirida localizou-se o terminal de resíduos domésticos ou mais conhecido como “lixão da prefeitura”. Essa fração de área foi doada pela UTRESA Ltda para o Município de Estância Velha, em permuta de uma futura melhoria no acesso ao empreendimento, bem como da instalação de uma rede de energia elétrica que serviria ao “lixão da Prefeitura” e a central de resíduos. Ao longo de quase duas décadas de coexistência na mesma área, muitos trabalhos foram efetuados de forma conjunta.

Máfia do Lixo – O senhor poderia citar um desses trabalhos?
Luiz Ruppenthal – Em 2006 efetuou-se um acordo em que, evitando a dupla tributação do ISSQN entre o município gerador do material destinado à UTRESA e o ISSQN a ser recolhido pela prestação de serviços para a Prefeitura de Estância Velha, optou-se por construir uma vala de confinamento de resíduos domésticos especial para o Município.

Máfia do Lixo – Naquela época foi feito algum estudo ambiental junto ao órgão de meio ambiente do RS?

Luiz Ruppenthal – Fizemos o EIA (Estudo de Impacto Ambiental).

Máfia do Lixo – O senhor disse que essa área adquirida em Estância Velha estava recebendo resíduos sólidos industriais de forma inadequada. O que foi feito com esse resíduo que lá estava a céu aberto, a partir da instalação da “usina de tratamento” UTRESA Ltda?

Luiz Ruppenthal – Na fase inicial da UTRESA Ltda havia engenheiro químico terceirizado, contratado. Optou-se que as células de confinamento de nº I e II serviriam, em grande parte, para a acomodação do material residual que já se encontrava acumulado na área adquirida, e lá estava havia anos. Estas células foram revestidas, no fundo, com mantas de PVC, coladas com adesivo. Não havia, na época, qualquer especificação por parte dos órgãos de fiscalização e controle, relativos ao material de revestimento destas valas, tanto é que, nas valas escavadas pela Prefeitura de Estância Velha, dentro da mesma área, sequer havia revestimento do solo. A prefeitura simplesmente escavava buracos no chão e lá era disposto o lixo coletado na cidade, inclusive materiais residuais de pequenos empreendimentos industriais do setor calçadista, contendo retalhos de couro além do material normal como lâmpadas fluorescentes queimadas, pilhas, baterias, tintas e assim por diante. A UTRESA, sendo a pioneira no setor da destinação final de resíduos no RS, e uma das primeiras do país, ao longo dos anos passou a incorporar parâmetros e critérios técnicos à medida em que estes foram sendo emitidos pelo órgão estadual de controle ambiental do Rio Grande do Sul, este sendo considerado pelos organismos federais, como os mais severos do País.

Máfia do Lixo – Como era composta a sociedade da UTRESA Ltda?

Luiz Ruppenthal – A UTRESA Ltda era composta por aproximadamente 10 empresas sócias. Posteriormente, o ingresso de novas empresas determinou-se que a formatação jurídica mais recomendável passaria a ser a de Sociedade Anônima. Estava criada a UTRESA S/A.
Máfia do Lixo – Quem eram os gerentes da UTRESA Ltda?

Luiz Ruppenthal – Todos os que por lá passaram tinha vinculaçào com as industriais sócias no empreendimento. Lembro de Valter Valter Graebim (atuava junto a Finilix do grupo Paquetá), Cesar Benemann (da Bufulo e Sinuelo), Sergio Dornelles (da Rimus) e Jorge Steiner (da Benderschuck).

Máfia do Lixo – E a composição da UTRESA S/A?

Luiz Ruppenthal – Na década de 90, havia cerca de 48 empresas sócias, parte das quais sequer conseguiu integralizar a respectiva quota de capital que havia subscrito. Nesta década, principalmente em consequência da concorrência internacional fortíssima originada pelos produtos chineses, o setor industrial do setor coureiro-calçadista entrou em declínio acelerado. Hoje se comenta que das 48 empresas sócias da UTRESA S/A pelo menos 50% faliram.
Máfia do Lixo – Quem eram os diretores operacionais da UTRESA S/A?

Luiz Ruppenthal – Inicialmente se contou com a Cristina Botti. Depois eu assumi como diretor operacional da UTRESA S/A.

Máfia do Lixo – A UTRESA S/A somente recebia resíduos sólidos das industriais que eram sócias no empreendimento ou também para lá eram destinados os resíduos de outras empresas gaúchas?

Luiz Ruppenthal – Em decorrência da drástica diminuição de resíduos gerados no setor coureiro-calçadista, a UTRESA S/A para não desativar sua estrutura já montada, optou por aceitar o recebimento de materiais residuais gerados por outros setores industriais entre eles indústrias de papel reciclado, do setor metal mecânico, entre outras. Com a entrada dos novos materiais, aumentou-se também a possibilidade do reprocessamento de materiais residuais. Assim, além de incentivar a segregação dos resíduos nas fontes geradoras, dentro a própria UTRESA S/A foram implantadas novas unidades de reciclagem que abrangiam deste o reprocessamento de polímeros plásticos como os materiais celulósicos através de unidade de produção de papelão e fibras recicladas. Adotou-se também, após a década de 90, a política de índice de reciclabilidade, onde os resíduos recebidos pela UTRESA S/A que apresentavam um bom índice de reaproveitamento eram proporcionalmente beneficiados nos custos do seu recebimento. Assim, se um determinado material residual recebido na UTRESA S/A podia ser 100% reaproveitado ou reprocessado, não pagava nenhuma taxa ou não tinha qualquer custo para ser destinado no empreendimento.

Máfia do Lixo – A UTRESA S/A trabalhava com sistemistas?

Luiz Ruppenthal – Em função do elevado número de pessoas envolvidas nos processos de reciclagem e reprocessamento dos materiais residuais recebidos optou-se uma uma configuração operacional denominada de sistemistas integrados. Cada núcleo de reciclagem transformou-se num sistemista independente, com autonomia administrativa e financeira. Com esta nova configuração operacional, os índices de reaproveitamento dos materiais residuais recebidos na UTRESA S/A superaram a marca dos 50% do total.

Máfia do Lixo – Quem eram os sistemistas que atuavam na UTRESA S/A?
Luiz Ruppenthal – Recordo nesse momento de Lindomar da Rosa (Segregação e reciclagem de resíduos coureiro-calçadista), Lindoberto da Rosa (Segregação e reciclagem de resíduos de outros setores), Eduardo da Rosa (Geosintéticos), Neri Debortolli (Terraplanagem), Pedro de Lima (Operação das células 6 e 7), Rauf Thieme (Micronização), Evaldo Meneghell (Cimento), Rosane kuhn (Contabilidade), Brazway (Comercialização de sobrantes), Enio Reis (Faturamento e venda de floculante) e João Dario (Obras) e do setor Jurídico.

Máfia do Lixo – E o que levou a desistir do modelo de sociedade anônima e assumir como uma OSCIP?

Luiz Ruppenthal – Com mais de 170 pessoas envolvidas nas operações de coleta, segregação e reciclagem e sendo a maioria dos produtos reciclados vendidos diretamente pelos sistemistas, quando e para quem quisessem, pelo valor que julgassem mais adequado, optou-se em transformar o núcleo operacional da UTRESA S/A numa Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) até porque naquele momento, a própria UTRESA S/A, sucessora da UTRESA Ltda jamais havia remunerado por qualquer meio seus dirigentes. Esta política de não remuneração dos dirigentes foi mantida na nova formatação jurídica de OSCIP. A OSCIP permitiu também que a UTRESA passasse a receber doações federais através da renúncia fiscal do IRPJ. Todas estas doações foram devidamente contabilizadas e as respectivas prestações de conta foram feitas aos órgãos competentes. Em nenhum momento, o Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Justiça, órgão ao qual cabe o controle das entidades do terceiro setor, apontou qualquer tipo de irregularidade na gestão da OSCIP.

Máfia do Lixo – E a política de preços se manteve igual na UTRESA OSCIP?

Luiz Ruppenthal - A UTRESA já na formatação de OSCIP manteve a política de preços dos seus serviços baseada em apenas cobrar o valor suficiente para fazer frente aos seus custos e investimentos necessários à otimização do processo. Assim, o superávit operacional da entidade foi integralmente aplicado na aquisição de áreas de preservação ambiental, equipamentos e máquinas para os novos processos de reciclagem, inclusive para o processo pioneiro, da “ mineralização à frio”. Entre áreas urbanas e rurais, foram adquiridos e pagos, mais de 10.000 hectares nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mesmo operando como uma entidade sem fins lucrativos, a UTRESA OSCIP recebia forte pressão de empresas congêneres. Estes concorrentes do setor privado argumentavam que, para o bem do setor, seria necessário um nivelamento nos preços praticados. Como secretário executivo da entidade, os proprietários de empresas concorrentes não acreditavam que a UTRESA pudesse se manter numa política de preços unificados e interpretavam esta dificuldade como tentativa de manter a OSCIP como uma Central de Resíduos acima da concorrência privada. Prédios e células de confinamento que foram construídas, tanto no período em que era enquadrada do ponto de vista fiscal como LTDA, de S/A e OSCIP foram contratados de terceiros, observando-se o critério do menor preço bem como de localização da sede do prestador de serviços, dando-se preferência para as empresas localizadas no próprio Vale dos Sinos.

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